terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Os primeiros donos

O abade Manuel Gonçalves

O abade Manuel Gonçalves foi pároco de Balasar desde cerca de 1535 e por uns 30 anos. Em 1542, mandou renovar o tombo paroquial. Tinha a seu cargo Balasar e a anexa Gresufes, mas ainda S. Félix e S. Marinha de Gondifelos. Tal não significa que fosse um abade muito zeloso, que não era. De facto, como muitos outros párocos seus contemporâneos com largos rendimentos, afastou-se da sua abadia e foi residir para Vila do Conde. Sabe-se que celebrou lá baptismos e presidiu naturalmente a outros actos litúrgicos. Mas foi aí pai de duas filhas, a Margarida Vaz (c. 1535-1610) e a Joana Manuel[1].
Assento de baptismo de Fevereiro de 1536 (em cima) em que oficiou o abade Manuel Gonçalves:

Item, baptizou Manuel Gonçalves, abade de Balasar, Francisco, filho de António Pires e de sua mulher; foram compadres André Álvaro Felgueira, R. António, Maria Carneira e Susana Ferreira.

Margarida Vaz e Joana Manuel

Ambas casaram com pilotos, isto é, com homens ligados ao comércio ultramarino. Margarida Vaz casou com Gomes Carneiro (c. 1525-1602) e Joana Manuel com Gaspar Pires, o Ouro. Ambas possuíram bens em Balasar por via do pai. 
Gomes Carneiro está muito documentado em Vila do Conde. Teve mais de dez filhos (entre eles, Pe. Manuel Carneiro, Gomes Carneiro, João Carneiro, Maria Carneira, Isabel Carneira, Catarina Carneiro). Como a Maria Carneira casou em 19 dias do mês de Fevereiro de 1576[2], ele e a mulher deveriam ter então um pouco mais de 40 anos. Exerceu diversos cargos municipais, entre outros o de vereador. Parece ter sido pessoa abastada. A mulher faleceu em 1610.
Os descendentes de Joana Manuel ter-se-ão desfeito cedo dos haveres na freguesia, enquanto os de Margarida Vaz os mantiveram na sua posse. Desta é que derivam os Carneiros da Grã-Magriço.
Assento de casamento Maria Carneira, de 19 de Fevereiro de 1576. Como a mãe e o pai deviam ter a passar de 45 anos, isso remete o seu nascimento para cerca de 1530.
Aos 19 dias do mês de Fevereiro, recebi Maria Carneira, filha de Gomes Carneiro e Margarida Vaz (...)

Catarina Carneiro e Bento Teixeira Magriço

A herdeira de Margarida Vaz e Gomes Carneiro na Quinta de Balasar terá sido a filha Catarina Carneiro, que casou com Bento Teixeira Magriço. Viveram em Vila do Conde. Ele morreu em Angola talvez em 1608. A esposa iniciou então diligências para fazer vir os bens que o marido lá possuía, passando inclusive procuração para o efeito ao governador, mas foi tarefa muito demorada.

Pedro (ou Pêro) Carneiro da Grã

Pêro Carneiro da Grã tem um lugar especial entre os antepassados de D. Benta: foi o primeiro a residir de forma permanente em Balasar – ele que era “cidadão da cidade do Porto” – e foi quem trouxe para a família o apelido Grã[3].
Casou em 10 de Setembro de 1634 com a sua prima Benta Carneiro Magriça: eram ambos netos de Margarida Vaz. Ela era filha de Catarina Carneiro e seu marido Bento Teixeira Magriço, ele de João Carneiro, que casou com Antónia da Grã.
Existe uma “escritura de doação que faz Pedro Carneiro e sua mulher, Benta Carneiro, ao filho Manuel Carneiro da Grã no ano de 1678, do prazo de Balasar”[4]. Com ela pretendeu o casal que o “seu filho Manuel Carneiro da Grã tomasse estado segundo sua qualidade por ser único herdeiro, sucessor do morgado da sua casa”. Os bens doa­dos foram estes:

A Quinta de Balasar, prazo foreiro à Comenda de Cristo do mesmo nome;
A metade do Campo de S. Tiago, que houveram por sentença contra seu cunhado e irmão Gomes Car­neiro Magriço;
A metade das casas que ficaram de seu avô, Gomes Carneiro Magriço;
O casal da freguesia de Joane, foreiro aos frades Lóios do Porto;
O Casal de Regufe, do qual prometeram em dote a sua filha Mariana, casada com António de Castro, 50.000 réis por morte deles dotadores ou onze me­didas das que se pagam do dito casal.

Esta lista de bens parece garantir que ele foi bom administrador, apesar de ter contraído um empréstimo de 70.000 réis por causa de uns haveres na freguesia barcelense de Pereira.
A casa da Quinta há-de ter precisado de obras de vulto. A sua ida para lá pode também significar que era daí que ele geria melhor os seus interesses.
Em 1664 e 1665, casaram-se dois filhos de Pedro Carneiro da Grã. Primeiro casou um rapaz:

Aos quinze dias do mês de Abril de seiscentos e sessenta e quatro anos, recebi em face da Igreja, na forma do Sagrado Concílio Tridentino, a Pedro Luís da Grã, filho de Pedro Carneiro, e Isabel Gonçalves, filha que ficou de Cosme Gonçalves e da sua mulher, sendo testemunhas presentes Domingos Álvares e Domingos Gonçalves e Manuel Carneiro e Francisco Fernandes, todos desta freguesia.
João da Silva

14 de Agosto de 1665 deve ter sido um dia grande em Balasar: o casamento de então terá sido tão pouco comum que quase toda a gente da freguesia quis estar presente.

Aos catorze dias do mês de Junho de seiscentos e sessenta e cinco anos, recebeu o Pe. António Carneiro à face da Igreja a António de Crasto, do Couto de Cambeses, e a Maria Carneira, filha de Pedro Carneiro da Grã, na forma do Sagrado Concílio Tridentino, sendo testemunhas presentes (ilegível) Martins e Pedro Fernandes e Pedro de (ilegível) e a maior parte dos fregueses, de que fiz este assento.
José da Silva.


[1] Osório-Vaz da Nóbrega chama Margarida Álvares à primeira filha do abade de Balasar, mas nos documentos que consultámos ela é sempre Margarida Vaz. Como só lhe interessou a genealogia dos Grã-Magriços, não mencionou a Joana Manuel.
[2] A tia Joana Manuel deu-lhe alguns bens em Balasar em 7 de Agosto de 1575. Podem ter sido prenda.
[3] Grã é uma semente a partir da qual se pode obter certa tinta
[4] Na Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim guarda-se um dossiê com o título de “Documentos referentes à família Carneiro de Grã-Magriço. Casa dos Carneiros, P. de Varzim. Casa da Ponte (ou casa da Quinta de D. Benta), Balasar. Séculos XVII-XIX”; tem cerca de 130 páginas que copiam documentos originais. É lá que se encontra a escritura a que agora nos referimos.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Antes de D. Benta

Manuel Carneiro da Grã e Manuel Carneiro da Grã-Magriço, o avô paterno de D. Benta

Os registos paroquiais de Balasar permitem-nos saber pormenores dos Grã-Magriços que não estavam divulgados. E permitem-no-lo a partir de documentos em primeira mão.
Neles, o pai de D. Benta, Alexandre Carneiro ou Alexandre Carneiro da Grã Magriço, não está muito presente, mas o avô, Manuel Carneiro da Grã-Magriço, esse parece ter sido uma figura popular.
Deveria ser sobrinho de Manuel Carneiro da Grã, também uma figura popular em Balasar e que o precedeu na casa e que lha terá doado, porventura por não ter descendência.
O avô de D. Benta casou em Balasar, mas, pelos vistos, nem ele nem a noiva eram de lá. Veja-se o que consta do registo de casamento:

Aos dois dias do mês de Maio de 1699 anos, se receberam em minha presença e das testemunhas abaixo mencionadas, na forma do Sagrado Concílio Tridentino, Manuel Carneiro da Grã Magriço, filho legítimo de António de Castro Raimonde e de sua mulher Mariana Carneira Magriça, já defuntos, moradores que foram no Couto de Arentim, e D. Paula de Sousa Barbosa, filha legítima de Manuel da Rocha Barroso, já defunto, e de sua mulher D. Felícia de Barros Barbosa, da freguesia de Meixedo, do termo de Viana, estando por testemunhas António Carneiro, do Couto de Arentim, e Jacinto Fernandes (?), solteiro, do Matinho, e Manuel Martins, do Matinho, desta freguesia, de que fiz este assento, que assinei, dia e era ut supra.
Silvestre da Costa Montalvão

Era ele então de Arentim, não longe de Braga, e a noiva de Meixedo, não longe de Viana. Provavelmente, porém, se o anterior Grã Magriço lhe queria deixar a casa, já o teria a viver nela - senão o casamento não se realizaria em Balasar.
Esse anterior Grã-Magriço assinava apenas Manuel Carneiro da Grã e era casado com D. Mariana de Barros.
Em 29 de Março de 1676, Manuel Carneiro da Grã e D. Mariana de Barros, sua mulher, apadrinham uma criança de Vila Pouca.
Três anos antes Manuel Carneiro da Grã fora também padrinho de baptismo:

Aos 24 dias do mês de Setembro de 1673 anos, baptizei João, filho de António de Castro, do Couto de Cambeses, e de sua mulher, Maria Carneira. Foram padrinhos Manuel Carneiro da Grã, seu irmão, e João de Caldas.
João da Silva

Em 1683, Manuel Carneiro da Grã foi juiz da Confraria do Santíssimo Sacramento de Rates e nessa qualidade decidiu, com a esposa, comprometer-se com uma pensão perpétua para a irmandade. Essa pensão incidia sobre uma sua propriedade sita no Outeiro de Revelhe, em Balasar, foreira à Casa de Bragança.

Quem foram  Manuel Nunes Rodrigues e D. Benta Carneiro da Grã-Magriço?

Há um assento de casamento de uma filha de Manuel Nunes Rodrigues e D. Benta Carneiro da Grã-Magriço – chamada  D. Francisca Violanta  – que nos diz os nomes dos seus avós.
Manuel Nunes Rodrigues, ou antes, Manuel Nunes, do lugar da Igreja, em Balasar, era filho de João Nunes e Domingas Rodrigues, da freguesia de Santa Lucrécia da Ponte do Louro (entenda-se Louro, V.N. de Famalicão); os pais de D. Benta Carneiro da Grã-Magriço eram Alexandre Carneiro e D. Maria Carneiro de Sá, do lugar da Igreja.
Esta informação, à primeira vista vulgar, já assegura que os apelidos Louro Nobre que se costumam atribuir a Manuel Nunes Rodrigues não têm qualquer fundamento nos nomes dos seus pais.
Veja-se agora o registo de baptismo de D. Benta.

Benta, filha legítima de Alexandre Carneiro e de sua mulher D. Ana Maria Carneira, do lugar da Ponte, nasceu aos 17 dias do mês de Fevereiro de 1727; foi baptizada por mim, Padre João da Costa, cura desta freguesia, aos 23 dias do mesmo mês e ano, foram padrinhos o Padre D. António Gavião, vigário de São Simão [da Junqueira] e Ludovina, solteira, filha de Manuel Carneiro desta freguesia, estando presentes testemunhas o Padre Miguel Martins e Domingos Martins, ambos da freguesia de Gondifelos, e Manuel Carneiro da Grã.
E por ser verdade, fiz este termo, que assinei. Era ut supra.
O Padre Miguel Martins
O Cura, o Padre João da Costa
Manuel Carneiro da Grã Magriço

Manuel Nunes Rodrigues e D. Benta Carneiro da Grã-Magriço, além de D. Francisca Violanta e do herdeiro, foram pais pelo menos de mais quatro filhas: Joana Benta (nascida a 24 de Abril de 1742), Maria Josefa (nascida a 11 de Junho de 1744), Francisca (nascida a 17 de Julho de 1949) e Teresa (nascida a 22 de Setembro de 1750).
Manuel Nunes Rodrigues era analfabeto.

No Roteiro dos Culpados

Desde que se sabe que o marido de D. Benta se chamava Manuel Nunes ou Manuel Nunes Rodrigues, verifica-se que ele é nomeado no Roteiro dos Culpados de Balasar, publicado por Franquelim Neiva Soares no seu artigo intitulado “Subsídios para a História de Santa Eulália de Balasar” .
Em 1755, registou-se esta informação pouco edificante sobre a sua pessoa:
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Manuel Nunes Rodrigues, casado, brasileiro, por armar arruídos na igreja e descompor o reitor dela e chamar nomes injuriosos a várias pessoas, causando motins na mesma.

Era então brasileiro Manuel Nunes Rodrigues e devia pensar que podia usar por cá os bravios excessos que lhe teriam sido comuns no Brasil com os seus trabalhadores escravos. Em 1755, era tempo do Marquês de Pombal; uns 20 anos antes deveria ser vulgar comunicar uma ocorrência destas à Inquisição…
O reitor injuriado era o P.e António da Silva e Sousa, que paroquiou Balasar por um bom meio século e que escreveu as Memórias Paroquiais.
Também a mãe de D. Benta, “D. Maria Carneiro de Sá, viúva”, ocorre no Roteiro. O caso dela tem a ver com um moleiro, de nome Custódio dos Santos, a quem ela possivelmente incitaria a pagar-se exageradamente pelo seu trabalho. Começou por ser “admoestada pelo pároco”, em 1739, e, em 1742, foi considerada cúmplice do moleiro.

A lápide tumular de Manuel Nunes Rodrigues

Manuel Nunes Rodrigues entendia-se mal com o pároco; deve ter sido por isso que construiu a Capela da Senhora da Lapa, onde quis ser sepultado. Na lápide que mandou prepparar para o seu túmulo, só diz que mandou fazer a capela e a sepultura; não menciona a casa, mesmo que lá deva ter deixado obra.
Ele deve ter sido um emigrante bem-sucedido (como sugere o seu assento de óbito) que, depois de regressar do Brasil, casou com uma mulher jovem e nobre: ele enriquecia-a e ela nobilitava-lhe a descendência.
Como ele se preocupou com construir a sepultura e fazer testamento, provavelmente sentir-se-ia já idoso naquele ano de 1758. Ora o seu herdeiro nascera apenas 12 anos antes.
A inscrição completa da lápide funerária de Manuel Nunes Rodrigues reza assim:
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ESTA CAPELA E SA MDO FAZER MEL NVNES RZ~ E NELA qER SER EMTERADO SE FALESER NESTA qVINTA OV PERTO DELA ANO D 1758

A saber: “Esta capela e sepultura mandou fazer Manuel Nunes Rodrigues e nela quer ser enterrado se falecer nesta quinta ou perto dela. Ano de 1758”.
Manuel Nunes Rodrigues morreu em 1760 e foi sepultado, como era seu desejo, na sua capela, amortalhado num hábito de S. Francisco.
Foi da maior importância que Manuel Nunes tivesse deixado um registo da sua obra – uma vez que no nome do herdeiro não há qualquer memória dos apelidos paternos… Que se saberia dele se ele não o tivesse feito?

Imagens a partir de cima:
Registo de casamento de Manuel Carneiro da Grã-Magriço
Lápide sepulcral de Manuel Nunes Rodrigues
Registo de óbito de D. Benta

A Quinta de D. Benta

Cerca de 1830, a Quinta de D. Benta foi descrita nestes termos:

Uma quinta murada sobre si, com umas grandes e nobres casas-torre, com sua capela unida às mesmas casas, com a frente para o lado do poente, tendo as mesmas casas sua entrada por um grande portal, com suas armas por cima do mesmo portal, e dentro tem sua eira, casas térreas e terras lavradias, com árvores de fruto e sem ele, e também terra de mato com pinheiros e carvalhos (…)

No seu opúsculo O Culto Mariano no Arciprestado de Vila do Conde e Póvoa de Varzim o Mons. Manuel Amorim por sua vez incluiu esta nota sobre a casa:

Quase em frente ao cruzeiro paroquial e ao edifício escolar, já nas proximidades do rio Este, encontra-se uma casa sobradada com o seu janelame corrido, idêntica a tantas outras casas agrícolas do Minho se não fosse a porta nobre encimada por um brasão de armas. Foram picadas as armas mas sabe-se que ostentavam no escudo as insígnias dos Carneiros da Grã Magriço, senhores do solar da Póvoa de Varzim. Em 1758 habitavam a casa Manuel Nunes Rodrigues do Louro Nobre, casado com D. Benta Carneiro da Grã, senhora que deixou fama na freguesia pelas suas benemerências. Deve-se a este casal a construção da capela em honra de Nossa Senhora da Lapa, conforme se lê na sepultura rasa lá existente.

A capela da Quinta de Balasar, dedicada a Nossa Senhora da Lapa, tem uma fachada de óptimo efeito visual. A porta é bem proporcionada, muito artística e de linhas modernas, certamente rococós (paga a pena compará-la com a da Igreja de Nossa Senhora da Lapa, de Vila do Conde). Trata-se decerto de obra planeada por pessoa culta, não improvisada por qualquer mestre-pedreiro.
Quando se entra, verifica-se que é também muito espaçosa. Nem lhe falta um coro. A sua dimensão devia corresponder à de algumas igrejas de então. Em começos do século XX, serviu mesmo de igreja paroquial de Balasar ao tempo em que decorriam as obras da construção da actual.
Esta capela tem origem próxima na pregação do Pe. Ângelo Sequeira, cónego da Sé de S. Paulo, Brasil, que, a partir de 1755, desenvolveu acção intensa no Porto e na Diocese de Braga. Foi autor de vários livros, entre eles, Botica Preciosa e Tesouro Precioso da Lapa, que se encontra em linha.

D. Benta

O P.e Leopoldino escreveu que D. Benta “mandou construir à sua custa uma ponte sobre o rio Este para passagem do povo e dos carros” (de bois e outros animais, naturalmente). E diz ainda que a ponte antiga “foi substituída pela actual, mandada construir em 1906 pela Câmara progressista da presidência do prestigioso povoense Dr. António Silveira, sendo vereador Manuel Joaquim de Almeida, abastado proprietário desta freguesia, onde faleceu com 54 anos, no dia 3 de Janeiro de 1918”.
A ponte de madeira construída por D. Benta, porém, não foi a primeira no lugar: ela mesma nasceu no lugar da Ponte. Talvez a anterior fosse só para peões.
D. Benta, que residiu em Vila do Conde ao menos em parte do seu tempo de viúva, faleceu em 14/4/1774, na Póvoa de Varzim, em casa do filho e foi sepultada na Matriz local, conforme o assento de óbito.
Nascida em 17/2/1727, finou-se com 47 anos. Como lhe nasceu a primeira filha em 1742, há-de ter casado com 14. Teve pelo menos duas irmãs, uma de nome Ana Maria, nascida em 31/10/1730, e outra de nome Margarida, nascida a 17/12/1732.

Algumas notas sobre a Casa da Quinta

Os antepassados próximos de D. Benta tinham um estatuto social acima do comum: faziam casamentos para longe, com gente da sua igualha; as senhoras eram tratadas por donas; nos baptizados, convidavam para padrinhos gente especialmente distinta; Manuel Carneiro da Grã foi ser juiz da Confraria do Santíssimo na Vila de Rates. Natural é que já possuíssem uma casa que se ajustasse a tal estatuto.
Por desconhecermos a história da construção dessa casa, o que se segue é sobretudo um alvitre.
Antes de Manuel Rodrigues construir a magnífica Capela da Senhora da Lapa, a casa terminava ali, no portal para entrada das carruagens - a norte ficava a entrada usual para as pessoas. Essa porta, um pouco humilde, está lá.
É difícil saber quem construiu o actual portal. Não faz grande sentido que Manuel Rodrigues construísse uma entrada brasonada, pois ele não era nobre. Mas também não se vê quem o pudesse fazer senão ele, que tinha largas posses.
Após a construção do portal é que se deve ter crescido a casa para sul, até à capela, prejudicando profundamente a estética dessa imponente entrada.
Uma comparação deste portal com outros de outras quintas, como a da Espinheira, em S. Simão da Junqueira, ou a da cerca do Mosteiro de S. Clara de Vila do Conde, pose ser esclarecedora: certamente o portão original não constituía parede de casa...
Como hoje não é possível obter uma fotografia que dê uma visão global da da frente poente da casa, coloca-se aqui uma fotografia antiga que no-la mostra, apesar das suas limitações.

Imagens a partir de cima:
Portal principal, para carruagens;
Pormenor do arco do mesmo portal;
Fachada principal da Capela de Nossa Senhora da Lapa;
Porta da mesma capela;
Entrada secundária da casa, de serviço;
Portal da Quinta da Espinheira, em S. Simão da Junqueira, Vila do Conde;
Portal da cerca do Mosteiro de S. Clara de Vila do Conde;
Vista global da casa, fachada poente.

O codicilo de Manuel Nunes Rodrigues



Em nome da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro, eu, Manuel Nunes Rodrigues, morador na minha Quinta da Ponte da Senhora da Lapa, da freguesia de Santa Eulália de Balasar, achando-me de cama de doença que Deus, Nosso Senhor, foi servido dar-me, mas com todo o meu perfeito juízo, determino meu codicilo para declaração de algumas disposições que tenho feito em meu testamento cerrado e mais algumas disposições que quero se executem na forma seguinte:
Primeiramente, tenho disposto em meu testamento que o meu testamenteiro, logo depois do meu falecimento, tire do poder e companhia da minha mulher a meus filhos. Porque esta disposição parece odiosa e escandalosa à dita minha mulher, que me não merece, e só dispus assim por temer a fragilidade das mulheres, pelo que declaro que não será necessário que o dito meu testamenteiro tire logo de seu poder e companhia os ditos meus filhos, mas só tirará pelo discurso do tempo, se entender que a sua companhia lhe é nociva e não útil à boa educação dos ditos meus filhos; e nestes termos o poderá fazer livremente, sem mais autoridade de justiça. E só com esta declaração e inteligência quero que o dito meu testamenteiro e tutor de meus filhos nomeado no dito testamento observe a dita disposição.
Declaro mais que, morrendo nesta freguesia, quero que meu corpo seja sepultado na minha capela de Nossa Senhora da Lapa, sita nesta quinta, onde tenho a minha sepultura, se a dita capela estiver já benzida na ocasião do meu enterro; aliás, serei sepultado na Igreja Paroquial desta freguesia de Balasar, junto do altar de Nossa Senhora. E, havendo nisto algum embraço ou querendo meu testamenteiro, deixo que seja onde ele determinar. Por modo, r(ev)ogo nesta parte somente o disposto em meu testamento e também quero que, sendo sepultado na dita minha capela, nela mesma se fará o ofício de corpo presente e os outros sucessivamente, e se o Reverendo Pároco da dita freguesia me quiser fazer a mercê de nisso consentir.
Declaro mais que as dez missas que deixo em meu testamento se digam na Igreja da Senhora da Lapa, sita na freguesia de Santo Ovídio, e as dezoito missas que deixo no altar da Família Sagrada de Jesus, Maria e José, junto à dita capela, quero se digam na minha capela de Nossa Senhora da lapa, sita nesta quinta, conforme as minhas tenções e invocações dos mesmos Santos que constam do dito meu testamento, no que só revogo e mudo o lugar onde se hão-de dizer.
Declaro mais que os mil e duzentos réis que deixo se mandem dizer em nove missas sucessivas em Nossa Senhora do Porto, as hei por revogadas, por as ter mandado satisfazer, como também revogo a deixa de quatro mil e oitocentos réis que em meu testamento deixava à Senhora das Necessidades, que está junto a Cristelo, romaria bem nomeada; como também revogo o legado de seis mil e quatrocentos réis que deixava à Capela de Nossa Senhora da Lapa, sita no mote de Santo Ovídio, da cidade de Lisboa.
Declaro mais que a minha comadre Teresa, além do couto (?) que mando se lhe, extraído em minha casa, deixo mais que, querendo ela assistir, na companhia de minhas filhas e edículas (?), como até o presente tem feito, mando que meu testamenteiro a faça sustentar de comer e beber por conta dos bens dos meus filhos, pela muita confidência que dela faço e boa criação que espero lhes dê com a sua assistência, e isto enquanto ao meu testamenteiro parecer útil e conveniente aos ditos meus filhos.
Mais declaro que a disposição do meu testamento a respeito do meu escravo José se não observe, mas sim o deixo forro e livre pelos bons serviços que me tem feito, com declaração que, querendo ele servir a meus filhos, o sustentarão e vestirão e, querendo-se embarcar para o Brasil, lhe dará meu testamenteiro quatro moedas de ouro, de quatro mil e oitocentos réis cada uma, por uma vez somente, para a embarcação e cinco camisas de linho a bergal e dois pares de ceroulas. Em que (?) tendo disposto do escravo Lourenço, revogo tudo o que a seu respeito tenho deixado e declaro que não o deixo livre, mas sim mando que o meu testamenteiro o venda logo, que de nenhuma sorte sirva esta casa nem nela assista. Mais declaro que a missa semanária que deixo em meu testamento dita ao sábado em louvor de Nossa Senhora da Lapa, quero e mando que se diga na minha Capela de nossa Senhora da Lapa que fiz nesta minha quinta, a qual será em todos os domingos e dias santos de preceito, em cada um ano enquanto o mundo durar, as quais missas serão de tenção, a cujo encargo e satisfação obrigo as minhas propriedades e dois vínculos e expressados no dito meu testamento; a missa semanária, a qual mudo para os domingos e dias santos, e, por escrever o número das missas em cada um ano, obrigo e sujeito mais ao dito encargo duas moradas de casas mistas sitas na Rua de Sacavém, da cidade de Lisboa, de que sou direito senhor e delas fiz prazo a José Paulo Marinho de Bessa e este as vendeu a António da Silva, sapateiro, de que me paga de pensão, em cada um ano, oito mil réis, os quais vinculo e obrigo às ditas missas na forma que fica disposta no dito testamento e com as mesmas cláusulas e condições e substituições expressas e declaradas nele, pela mesma ordem dos sucessores e administradores nele nomeados.
Item, declaro que sou senhor e possuidor de uma morada de casas sita na Rua dos Pretos, junto a S. José, na cidade de Lisboa, foreiras ao Convento do Carmo da mesma cidade, as quais nomeio em minha filha Teresa, com obrigação de dar às outras duas minhas filhas, Francisca e Maria Josefa, dez mil réis a cada uma em cada um ano.
Item, declaro que no testamento faço menção de um livro que pretendia fazer para inventário dois bens móveis, dinheiros e peças, o qual livro não fiz, assim não será obrigado meu testamenteiro a dar conta dele.
Mais declaro que, além dos bens que acima tenho à obrigação das missas dos domingos e dias santos na dita minha capela, vinculo mais um jarro e um (?) e uma cadeirinha de prata, as quais peças que andem vinculadas e anexas às ditas missas sem que em tempo algum se possam vender nem alhear na forma que tenho disposto no dito testamento.
Mais declaro que os quarenta e oito mil réis que mando entregar a meu primo, o Reverendo Vigário de Gemunde, Domingos Fernandes Braziela, quero que meu testamenteiro lhos não entregue, mas sim disponha deles na forma que lhes tenho recomendado, a saber, ao dito meu irmão, o Reverendo Padre Remígio Nunes Rodrigues, de que não será obrigado a dar conta por ser cousa de segredo.
E por este modo hei por findo e acabado este meu codicilo e última vontade, e quero que valha o que nele fica disposto ou como codicilo ou como qualquer última vontade, pelo melhor modo que em direito possa valer, e aprovo o dito meu testamento em tudo o mais que aqui não vai revogado, e declaro e hei por revogado outro qualquer testamento, codicilo última vontade que tenha feito e só quero que este e o dito meu testamento valha. E peço às Justiças a que pertencer lhe mandem dar o seu cumprimento.
E por estar doente roguei ao Reverendo Custódio Amaro Ribeiro, Abade de Negreiros, que este me fizesse, o que eu a seu rogo fiz, sendo mais testemunhas presentes o Padre Eusébio António Soares, o Reverendo Padre Remígio Nunes Rodrigues, de Santa Lucrécia, e Manuel Fernandes dos Reis, da freguesia de Vilarinho, e Luís Gomes, de Lousadelo, desta freguesia de Balasar, os quais, depois de este lhes ser lido, comigo aqui assinarão.
E declaro mais que sendo caso que minha filha Teresa se desoneste a hei por não nomeada ao direito das casas da Rua dos Pretos, da cidade de Lisboa, e em tal caso as nomeio em minha filha Francisca e namorando-se esta da mesma (?) a hei por não nomeada e nomeio a Maria Josefa com as mesmas obrigações.
E desta sorte hei por findo este meu codicilo, que todo foi lido às mesmas testemunhas, que todas assinarão com ele testador.
Hoje, dois de Março de mil setecentos e cinquenta e nove anos.
Manuel Rodrigues Nunes
O Padre Remígio Nunes Rodrigues
O Padre Eusébio António Soares
Manuel Fernandes dos Reis
Luís Gomes
O Abade Custódio Amaro Ribeiro

Declaração

Como vai ser dito, Manuel Nunes Rodrigues estava agora paralítico, mas convém notar também que, datando estas declações do dia 11 de Janeiro, alguns dias antes, no dia 5, lhe tinha morrido um criado, de nome José.

Depois de ter assinado este meu codicilo, por Deus me conservar a vida algum tempo, quero fazer mais as declarações e disposições seguintes, que quero se observem como partes do mesmo codicilo e minha última vontade.
Primeiramente, declaro que, aceitando o meu irmão, o Padre Remígio Nunes Rodrigues, o encargo de tutor de meus filhos e sendo necessário assistir com eles para a sua educação e resguardo, cuja assistência e cuidado lhe recomendo por ser da minha vontade e atendendo à utilidade dos ditos meus filhos, quero que, no tempo que estiverem em sua companhia, se sustente dos bens dos ditos meus filhos e por conta deles fará todas as despesas que forem necessárias nos negócios da casa.
Mais declaro que tenho ajustado e contratado com meu irmão, o dito Padre Remígio Nunes Rodrigues, de lhe comprar o seu património, a cujo título se ordenou, em preço de cento e quarenta mil réis, com reserva do usufruto para o dito meu irmão enquanto for vivo. E por a minha doença me não dar lugar a fazer escritura de compra, mando a meu primo, o Reverendo Domingues Fernandes Braziela, e a minha mulher, D. Benta, que celebrem e façam a dita escritura de venda e compra com o dito meu irmão, o qual património e terras dele tomo na minha terça e vinculo à dita Capela de Nossa Senhora da Lapa para melhor segurança das obrigações da dita capela, das quais terras será o administrador da dita capela, na forma do codicilo atrás-escrito, os quais cento e quarenta mil réis se pagarão do dinheiro que em seu poder o Sargento-Mor António da Costa Soares, da cidade do Porto; e sendo caso que o dito meu irmão me falte a este ajuste que com ele tenho feito e aqui ambos ratificamos, em tal caso, que o não espero dele, deixo que os ditos cento e quarenta mil réis se empreguem em bens de raiz livres, os quais desde já deixo e vinculo à dita capela. Mas fazendo-se o contrato com o dito meu irmão e feita a escritura do dito património, não se empreguem os ditos cento e quarenta mil réis em outra coisa.
Declaro mais que, além do que deixo no codicilo acima a meu escravo José, lhe deixo mais que, assistindo ele nesta casa, o sustentarão, ainda que ele não possa trabalhar por causa de doença ou velhice, e o tratarão nas suas doenças com caridade e lhe farão o seu enterro.
Declaro mais que o que gastei com o bem de alma da minha mãe e as dívidas que paguei por ela o hei por doado a meu sobrinho e a minha irmã Mariana, com obrigação de comprar cada um uma véstia, chapéu e fumo por dó.
E por esta forma dou por findo e acabado este meu codicilo e última (vontade) e quero que se cumpra e guarde como nele e suas declarações que lhe acrescentei e se contém e peço a todas as Justiças a cujo cumprimento tocar lhe dêem seu cumprimento; e por estar paralítico, impedido para poder escrever, roguei ao Reverendo Custódio Amaro Ribeiro, Abade de Negreiros, que este me fizesse, o que a seu rogo fiz e assino.
Aos onze dias do mês de Janeiro de mil setecentos e sessenta anos.
A rogo dele testador, Manuel Nunes Rodrigues e abade Custódio Amaro Ribeiro
Padre Remígio Nunes Rodrigues

(Segue-se a aprovação)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Manuel Carneiro da Grã-Magriço, vereador da Câmara da Póvoa

Manuel Carneiro da Grã-Magriço,  filho de D. Benta e  herdeiro da casa, foi um homem muito bem sucedido; Vaz-Osório traz sobre ele esta notícia:
Nasceu em Balasar, Póvoa de Varzim, a 14 de Fevereiro de 1747, filho de Manuel Nunes Rodrigues do Louro Nobre e de sua mulher, D. Benta Carneiro Grã-Magriço. Faleceu na Póvoa de Varzim, na sua Casa dos Carneiros, a 9 de Março de 1795 .
Senhor da Casa de Balasar, que fora dos seus maiores, reconstruiu a casa da Póvoa de Varzim, que era de sua mulher, passando a ser conhecida por Casa dos Carneiros.
Senhor do Morgado de Rio Tinto, em Esposende, pelo casamento. Fidalgo cavaleiro da Casa Real. Juiz ordinário e vereador da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim . Casou com D. Maria José Lopes Correia da Fonseca e Faria, filha de João Lopes da Fonseca.
Este Manuel Carneiro da Grã-Magriço foi vereador da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim em finais do séc. XVIII, ao tempo em que o concelho da Póvoa era constituído só por uma freguesia. Não sabemos ao certo o período em que serviu a Câmara poveira, mas já lá estava em 1780, pois em 1 de Abril escreve o termo de abertura do livro das actas do Senado, e ainda lá se mantinha em 1894:
Livro que há-de servir para as vereações do Senado da Câmara desta Vila, que todo vai rubricado e rubricado com o meu sobrenome – Carn.o Magriço – e no fim com seu encerramento. Vila da Póvoa de Varzim, 1 de Abril de 1780 anos.
Manuel Carneiro da Grã-Magriço
Uma vez ou outra, na ausência do Juiz Ordinário, como Vereador mais Velho (os vereadores eram dois e distinguiam-se em termos de mais velho e mais novo) assumiu a presidência do Senado, como consta, por exemplo, do seguinte “Acto de Câmara que se faz a requerimento de partes”:
Aos dezoito dias do mês de Dezembro de mil setecentos e noventa e três anos, nesta Vila da Póvoa de Varzim e casas do Paço do Concelho dela, onde, sendo presentes em acto de câmara os vereadores do Senado, Manuel Carneiro da Grã-Magriço, como Vereador mais Velho e presidente do Senado, na ausência do Dr. Juiz de Fora, António Feliz da Costa, José António Mouta e o Procurador do Concelho, Manuel Fernandes Baptista, os quais deferiram ao requerimento de João Rodrigues Rosmaninho e nomearam os louvados para os bens de raiz a Bernardo Francisco do Pinheiro e a Domingues José Morim, ambos lavradores, e a António ?, carpinteiro, e a João Alves, mestre pedreiro, e para juiz do ofício de trolha a Manuel José Artur Ramos, aos quais mandaram eles senadores se lhe deferir o juramento para exercerem suas capacidades, de que de tudo mandaram fazer este termo que assinaram. Eu, José Jerónimo Lopes de Paiva, escrivão da Câmara, o escrevi. Também nomearam a juiz do ofício de pedreiro a João Alves de Coelheiro.
Carneiro Magriço.
José Carneiro da Grã-Magriço

A Manuel Carneiro da Grã-Magriço sucedeu José Carneiro da Grã-Magriço. Ainda em vida do pai, em 1794, José Carneiro da Grã-Magriço aparece nomeado almotacé.
Acto de câmara em que fizeram almotacés
Aos 20 dias do mês de Dezembro de mil setecentos e noventa e quatro anos, nesta Vila da Póvoa de Varzim e nas casas do Paço do Concelho dela, em corpo e acto de câmara, estando presente o Dr. Manuel Barbosa de Magalhães, Juiz de Fora e Presidente deste Senado, e os vereadores o Dr. Manuel José da Silva Cruz, e José Joaquim Lopes Cruz, e o Procurador do Concelho, João Pereira da Silva, e por eles foi acordado que, sendo necessário nomear almotacés para os três meses de Janeiro, Fevereiro e Março do ano futuro de ml setecentos e noventa e cinco, para o que nomearam para almotacés dos ditos três meses de Janeiro, Fevereiro e Março, a José Carneiro da Grã-Magriço e Manuel Fernandes da Silva, e que eu, escrivão, notificasse a eles ditos almotacés nomeados, para receber juramento, e por não haver quem requeresse coisa alguma nesta câmara, mandaram fazer este acto de câmara, que assinaram, e eu, José Jerónimo Lopes de Paiva, escrivão da Câmara, o escrevi.
Manuel Barbosa de Magalhães
Manuel José da Silva Cruz
José Joaquim Lopes Cruz
João Pereira da Silva
José Carneiro da Grã-Magriço casou em 24 de Setembro de 1800, na Capela de S. António da Quinta da Espinheira (São Simão da Junqueira, Vila do Conde), com D. Francisca Henriqueta Coelho Fiúza Ferreira Marinho Falcão Sottomayor, filha de Manuel Duarte Coelho de Amorim e Silva, senhor da mesma Quinta da Espinheira, capitão-mor de Vila do Conde e vereador, e de sua mulher, D. Maria Rosa Fiúza de Faria Marinho Ferreira Falcão Machado Sottomayor.
Uma curiosidade, a irmã deste noivo, D. Maria Vitória, casou no mesmo dia e local, com um irmão de D. Francisca Henriqueta (a cunhada), o Dr. Manuel Duarte Coelho Fiúza Falcão de Amorim e Silva.
José Carneiro da Grã-Magriço foi senhor da Casa dos Carneiros (Póvoa de Varzim), da Casa da Quinta de Balasar e do morgado de Rio Tinto. Foi ainda cavaleiro-fidalgo da Casa Real e oficial de ordenanças. Faleceu na Quinta de Balasar em 1806, muito jovem
Do casal, nasceu a Viscondessa de Azevedo.

Os Viscondes de Azevedo

A última descendente de D. Benta que possuiu a Quinta de Balasar foi D. Maria José Carneiro da Grã Magriço, esposa do Visconde de Azevedo e filha do último casal acima mencionado.
Entrada da Quinta da Espinheira

D. Maria José nasceu a 6 de Agosto de 1804, na Póvoa de Varzim, na Casa dos Carneiros. Casou em 1827, um tempo muito pouco pacífico.
O casal, que era riquíssimo, foi mais tarde agraciado com o título de visconde por D. Maria II.
É curioso que, sendo uma mulher muito abastada, com numerosas propriedades em dois distritos, D. Maria José Carneiro da Grã Magriço quis ser sepultada em Balasar: dispôs no testamento que o seu corpo fosse “envolvido em hábito de Santa Teresa (de Ávila), encerrado em caixão de chumbo e sepultado no jazigo da família que tem na freguesia de Balasar, deste concelho, onde repousam os restos mortais de sua mãe” (a D. Francisca de que se falou).
É sem dúvida sua mãe que o P.e Domingos da Soledade Silos menciona quando fala duma D. Francisca que tem a seu cargo a Capela da Lapa.
Contrariamente ao que dispôs no testamento, D. Maria José Carneiro da Grã Magriço não foi sepultada em Balasar, antes em Barcelos, “por a autoridade administrativa do Porto se opor a que fosse para Balasar, conforme era vontade da testadora”.
À sua morte, esta senhora deixou 400$000 para serem repartidos pelos pobres e miseráveis da vila da Póvoa de Varzim; outros 400$000 ao Hospital, mais 300$000 à Misericórdia. Deixou ainda 100$000 para os pobres de freguesias onde tinha propriedades, caso de S. Simão da Junqueira, Balasar e Lama.
Isto vem no jornal poveiro “Facho da Verdade”, em 7.1.1886.
O edifício do Instituto de S. José, em Vila do Conde, também foi propriedade da Viscondessa de Azevedo.

A Quinta de Balasar ainda ficou mais alguns anos na posse de parentes dos Viscondes, que não tiveram filhos, mas depois foi vendida a um lavrador.
Palácio dos Viscondes de Azevedo, no Porto.

O Visconde de Azevedo (Vila Verde, 21/01/1809 - Porto, 25/12/1876) não viveu à sombra dum nome feito pelos antepassados: foi antes um homem com intervenção activa no seu tempo. Interveio, ainda jovem, nas lutas liberais, ao lado dos realistas, interveio depois de passagem na política e foi sobretudo um sábio bibliófilo. Foi célebre a sua livraria. Seguindo Camilo, “tinha a singularidade fenomenal de ser sábio e rico”. Foi sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa e colaborador do Dicionário Bibliográfico de Inocêncio. Este dicionário é um monumento da cultura portuguesa.
Vejam-se ainda estas palavras que Camilo sobre ele escreveu:
“Era um homem de bem. Para lhe chamarem nas ga­zetas facínora, caipira, besta e ladrão, foi necessário que gover­nasse o distrito de Braga em 1845. Desde que esquivou, na poltrona da sua biblioteca, o osso sacro aos pontapés da política, volveu a ser, por comum assentimento de todos os partidos, um espírito recto, muito esclarecido e digno de exercer os cargos superiores do Estado”.
O Visconde de Azevedo tinha residências no Porto e Póvoa de Varzim, e naturalmente outras. No Porto e na Póvoa, reunia cenáculos culturais[1]. Na casa do Porto, possuiu uma tipografia particular onde chegou a fazer imprimir algumas raridades bibliográficas em tiragens limitadas.
Escreveu alguma prosa de ficção, alguma poesia e artigos de apreciação crítica, traduziu Vergílio e Cervantes. Ajudou a salvar a Gramática da Linguagem Portuguesa, de Fernão de Oliveira, primeira gramática da nossa língua, publicada originalmente em 1536, e que ele republicou em edição limitada.
Este visconde mereceu recentemente um artigo na Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa.
Católico esclarecido, prefaciou o importante livro de Camilo A Divindade de Jesus, onde o escritor refutava a blasfema Vida de Jesus, da autoria de Renan.
É curioso que tenha dirigido Cartas ao redactor da Gazeta de Portugal, refutando o que, a respeito da mesma Vida de Jesus, escrevera Pinheiro Chagas em artigo publicado na mesma Gazeta.
Final do prefácio do Visconde de Azevedo a A Divindade de Jesus de Camilo Castelo Branco. Este livro saiu em 1865, ano da Questão Coimbrã.

Esta pretensa biografia quis negar a divindade de Jesus Cristo homem e Deus. Eça de Queirós e outros deram-lhe grande crédito, embora se trate de um trabalho sem rigor científico.
Recorde-se a propósito que o livro de Renan é referido, com destaque, pelo Dr. Dias de Azevedo na polémica que teve com o médico vila-condense Dr. Pacheco Neves.
O Visconde de Azevedo pronunciou um discurso na Assembleia dos Oradores e Escritores Católicos no Palácio de Cristal, em 1 de Janeiro de 1872. Veja-se uma citação desse discurso, transcrita dum trabalho de D. Manuel Clemente, bispo do Porto:
“Bem sei que não falta quem tenha dito que esta nossa reunião era inútil e desnecessária por isso que os ministros sagrados do culto aí estavam todos os dias pregando dentro dos nossos templos as coisas da religião, tornando-se assim escusado o vir escutá-las aqui. É exactamente por esse dito que estas reuniões me parecem necessárias e utilíssimas: no século passado Voltaire, chefe dos incrédulos do seu tempo, para ridicularizar a religião católica chamava-lhe a religião dos Padres, e os seus discípulos desde então até hoje não se têm esquecido de lhe dar a mesma denominação; pois […] eu afirmo que é tudo pelo contrário, que a religião católica não é a religião dos Padres, mas os Padres é que são da religião católica […]; é portanto coisa evidente que, sendo a religião, a Igreja Católica, e os Padres coisas coevas na sua fundação e criação por Jesus Cristo, não são aquelas que derivam destes, mas sim estes que derivam daquelas… ”

O Google colocou em linha as Distracções Métricas do Visconde de Azevedo.
Já perto do final da vida estes viscondes ascenderam a condes.

Um soneto do Visconde de Azevedo:

A existência de Deus

Essa dos altos céus magnificência,
A terra, o ar, o fogo, o mar salgado,
O tempo inquieto e o espaço sossegado,
De um Criador proclamam a existência.

Em vão descrê e nega esta evidência
Filósofo atrevido e desvairado,
Que a si mesmo e a tudo o mais criado
Busca no cego acaso a prima essência!

Todos os seres, toda a natureza
Mostram Autor eterno e sábio e forte,
Que o vício odeia e que a virtude preza.

Mas a sempre infeliz humana sorte
Faz que somente a um Deus nega ou despreza
Quem deve inda viver além da morte!

[1] Cerca duma semana após a morte do Visconde de Azevedo, escrevia, em 2 de Janeiro de 1877, o seu amigo, Conde de Samodães n’ A Palavra: “O nobre conde de Azevedo teve muitos e verdadeiros amigos e a sua casa era um centro onde eles se congregavam, para em agradável colóquio discutirem entre si assuntos, a que a murmuração era estranha”.

Leonardo Coimbra na Quinta de Balasar

Leonardo Coimbra (Borba de Godim, Lixa, 30 de Dezembro de 1883 — Porto, 2 de Janeiro de 1936), o filósofo do criacionismo, que foi também professor e político, possui ao menos um texto datado da “Quinta de Balasar”. É o prefácio a uma edição portuguesa, saída em Lisboa, no Porto e no Rio de Janeiro, do importante livro de Platão intitulado Fédon; o pensador concluía assim o seu arrazoado:

“Ler Platão é cantar, sorrir, vogar em Beleza!
Que a nossa mocidade o leia, há-de sentir o peito alteado de orgulho, a fisionomia animada e forte, expressão dum íntimo movimento harmonioso e contente, que é o próprio bulício das asas da Alegria dentro do coração desperto.
Teorias de efebos, cantando o eterno triunfo da Aurora…
Quinta de Balazar, 1-9-18” [1].

O filósofo Leonardo Coimbra, que chegou a ensinar no antigo liceu poveiro, tem ao menos um texto datado de Balasar.

A vinda de Leonardo Coimbra de Braga (onde atravessava um momento de grave dificuldade económica) para a Póvoa deveu-se a Santos Graça, que então lhe arranjou um lugar de professor no Liceu. É possível que a sua estada em Balasar também tenha a ver com este conhecido poveiro. Caso essa estada haja sido um pouco mais que ocasional, é de crer que venha assinalada pelo correspondente local de A Sentinela.

O nome de Leonardo Coimbra ocorre nos registos do Liceu da Póvoa de Varzim a partir do ano lectivo de 1912, como se verifica na última linha deste documento.

[1] Veja-se Leonardo Coimbra, Dispersos II. Filosofia e Ciência, Editorial Verbo, Lisboa/S. Paulo, 1987, pág. 236.