sábado, 3 de dezembro de 2011

O codicilo de Manuel Nunes Rodrigues



Em nome da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro, eu, Manuel Nunes Rodrigues, morador na minha Quinta da Ponte da Senhora da Lapa, da freguesia de Santa Eulália de Balasar, achando-me de cama de doença que Deus, Nosso Senhor, foi servido dar-me, mas com todo o meu perfeito juízo, determino meu codicilo para declaração de algumas disposições que tenho feito em meu testamento cerrado e mais algumas disposições que quero se executem na forma seguinte:
Primeiramente, tenho disposto em meu testamento que o meu testamenteiro, logo depois do meu falecimento, tire do poder e companhia da minha mulher a meus filhos. Porque esta disposição parece odiosa e escandalosa à dita minha mulher, que me não merece, e só dispus assim por temer a fragilidade das mulheres, pelo que declaro que não será necessário que o dito meu testamenteiro tire logo de seu poder e companhia os ditos meus filhos, mas só tirará pelo discurso do tempo, se entender que a sua companhia lhe é nociva e não útil à boa educação dos ditos meus filhos; e nestes termos o poderá fazer livremente, sem mais autoridade de justiça. E só com esta declaração e inteligência quero que o dito meu testamenteiro e tutor de meus filhos nomeado no dito testamento observe a dita disposição.
Declaro mais que, morrendo nesta freguesia, quero que meu corpo seja sepultado na minha capela de Nossa Senhora da Lapa, sita nesta quinta, onde tenho a minha sepultura, se a dita capela estiver já benzida na ocasião do meu enterro; aliás, serei sepultado na Igreja Paroquial desta freguesia de Balasar, junto do altar de Nossa Senhora. E, havendo nisto algum embraço ou querendo meu testamenteiro, deixo que seja onde ele determinar. Por modo, r(ev)ogo nesta parte somente o disposto em meu testamento e também quero que, sendo sepultado na dita minha capela, nela mesma se fará o ofício de corpo presente e os outros sucessivamente, e se o Reverendo Pároco da dita freguesia me quiser fazer a mercê de nisso consentir.
Declaro mais que as dez missas que deixo em meu testamento se digam na Igreja da Senhora da Lapa, sita na freguesia de Santo Ovídio, e as dezoito missas que deixo no altar da Família Sagrada de Jesus, Maria e José, junto à dita capela, quero se digam na minha capela de Nossa Senhora da lapa, sita nesta quinta, conforme as minhas tenções e invocações dos mesmos Santos que constam do dito meu testamento, no que só revogo e mudo o lugar onde se hão-de dizer.
Declaro mais que os mil e duzentos réis que deixo se mandem dizer em nove missas sucessivas em Nossa Senhora do Porto, as hei por revogadas, por as ter mandado satisfazer, como também revogo a deixa de quatro mil e oitocentos réis que em meu testamento deixava à Senhora das Necessidades, que está junto a Cristelo, romaria bem nomeada; como também revogo o legado de seis mil e quatrocentos réis que deixava à Capela de Nossa Senhora da Lapa, sita no mote de Santo Ovídio, da cidade de Lisboa.
Declaro mais que a minha comadre Teresa, além do couto (?) que mando se lhe, extraído em minha casa, deixo mais que, querendo ela assistir, na companhia de minhas filhas e edículas (?), como até o presente tem feito, mando que meu testamenteiro a faça sustentar de comer e beber por conta dos bens dos meus filhos, pela muita confidência que dela faço e boa criação que espero lhes dê com a sua assistência, e isto enquanto ao meu testamenteiro parecer útil e conveniente aos ditos meus filhos.
Mais declaro que a disposição do meu testamento a respeito do meu escravo José se não observe, mas sim o deixo forro e livre pelos bons serviços que me tem feito, com declaração que, querendo ele servir a meus filhos, o sustentarão e vestirão e, querendo-se embarcar para o Brasil, lhe dará meu testamenteiro quatro moedas de ouro, de quatro mil e oitocentos réis cada uma, por uma vez somente, para a embarcação e cinco camisas de linho a bergal e dois pares de ceroulas. Em que (?) tendo disposto do escravo Lourenço, revogo tudo o que a seu respeito tenho deixado e declaro que não o deixo livre, mas sim mando que o meu testamenteiro o venda logo, que de nenhuma sorte sirva esta casa nem nela assista. Mais declaro que a missa semanária que deixo em meu testamento dita ao sábado em louvor de Nossa Senhora da Lapa, quero e mando que se diga na minha Capela de nossa Senhora da Lapa que fiz nesta minha quinta, a qual será em todos os domingos e dias santos de preceito, em cada um ano enquanto o mundo durar, as quais missas serão de tenção, a cujo encargo e satisfação obrigo as minhas propriedades e dois vínculos e expressados no dito meu testamento; a missa semanária, a qual mudo para os domingos e dias santos, e, por escrever o número das missas em cada um ano, obrigo e sujeito mais ao dito encargo duas moradas de casas mistas sitas na Rua de Sacavém, da cidade de Lisboa, de que sou direito senhor e delas fiz prazo a José Paulo Marinho de Bessa e este as vendeu a António da Silva, sapateiro, de que me paga de pensão, em cada um ano, oito mil réis, os quais vinculo e obrigo às ditas missas na forma que fica disposta no dito testamento e com as mesmas cláusulas e condições e substituições expressas e declaradas nele, pela mesma ordem dos sucessores e administradores nele nomeados.
Item, declaro que sou senhor e possuidor de uma morada de casas sita na Rua dos Pretos, junto a S. José, na cidade de Lisboa, foreiras ao Convento do Carmo da mesma cidade, as quais nomeio em minha filha Teresa, com obrigação de dar às outras duas minhas filhas, Francisca e Maria Josefa, dez mil réis a cada uma em cada um ano.
Item, declaro que no testamento faço menção de um livro que pretendia fazer para inventário dois bens móveis, dinheiros e peças, o qual livro não fiz, assim não será obrigado meu testamenteiro a dar conta dele.
Mais declaro que, além dos bens que acima tenho à obrigação das missas dos domingos e dias santos na dita minha capela, vinculo mais um jarro e um (?) e uma cadeirinha de prata, as quais peças que andem vinculadas e anexas às ditas missas sem que em tempo algum se possam vender nem alhear na forma que tenho disposto no dito testamento.
Mais declaro que os quarenta e oito mil réis que mando entregar a meu primo, o Reverendo Vigário de Gemunde, Domingos Fernandes Braziela, quero que meu testamenteiro lhos não entregue, mas sim disponha deles na forma que lhes tenho recomendado, a saber, ao dito meu irmão, o Reverendo Padre Remígio Nunes Rodrigues, de que não será obrigado a dar conta por ser cousa de segredo.
E por este modo hei por findo e acabado este meu codicilo e última vontade, e quero que valha o que nele fica disposto ou como codicilo ou como qualquer última vontade, pelo melhor modo que em direito possa valer, e aprovo o dito meu testamento em tudo o mais que aqui não vai revogado, e declaro e hei por revogado outro qualquer testamento, codicilo última vontade que tenha feito e só quero que este e o dito meu testamento valha. E peço às Justiças a que pertencer lhe mandem dar o seu cumprimento.
E por estar doente roguei ao Reverendo Custódio Amaro Ribeiro, Abade de Negreiros, que este me fizesse, o que eu a seu rogo fiz, sendo mais testemunhas presentes o Padre Eusébio António Soares, o Reverendo Padre Remígio Nunes Rodrigues, de Santa Lucrécia, e Manuel Fernandes dos Reis, da freguesia de Vilarinho, e Luís Gomes, de Lousadelo, desta freguesia de Balasar, os quais, depois de este lhes ser lido, comigo aqui assinarão.
E declaro mais que sendo caso que minha filha Teresa se desoneste a hei por não nomeada ao direito das casas da Rua dos Pretos, da cidade de Lisboa, e em tal caso as nomeio em minha filha Francisca e namorando-se esta da mesma (?) a hei por não nomeada e nomeio a Maria Josefa com as mesmas obrigações.
E desta sorte hei por findo este meu codicilo, que todo foi lido às mesmas testemunhas, que todas assinarão com ele testador.
Hoje, dois de Março de mil setecentos e cinquenta e nove anos.
Manuel Rodrigues Nunes
O Padre Remígio Nunes Rodrigues
O Padre Eusébio António Soares
Manuel Fernandes dos Reis
Luís Gomes
O Abade Custódio Amaro Ribeiro

Declaração

Como vai ser dito, Manuel Nunes Rodrigues estava agora paralítico, mas convém notar também que, datando estas declações do dia 11 de Janeiro, alguns dias antes, no dia 5, lhe tinha morrido um criado, de nome José.

Depois de ter assinado este meu codicilo, por Deus me conservar a vida algum tempo, quero fazer mais as declarações e disposições seguintes, que quero se observem como partes do mesmo codicilo e minha última vontade.
Primeiramente, declaro que, aceitando o meu irmão, o Padre Remígio Nunes Rodrigues, o encargo de tutor de meus filhos e sendo necessário assistir com eles para a sua educação e resguardo, cuja assistência e cuidado lhe recomendo por ser da minha vontade e atendendo à utilidade dos ditos meus filhos, quero que, no tempo que estiverem em sua companhia, se sustente dos bens dos ditos meus filhos e por conta deles fará todas as despesas que forem necessárias nos negócios da casa.
Mais declaro que tenho ajustado e contratado com meu irmão, o dito Padre Remígio Nunes Rodrigues, de lhe comprar o seu património, a cujo título se ordenou, em preço de cento e quarenta mil réis, com reserva do usufruto para o dito meu irmão enquanto for vivo. E por a minha doença me não dar lugar a fazer escritura de compra, mando a meu primo, o Reverendo Domingues Fernandes Braziela, e a minha mulher, D. Benta, que celebrem e façam a dita escritura de venda e compra com o dito meu irmão, o qual património e terras dele tomo na minha terça e vinculo à dita Capela de Nossa Senhora da Lapa para melhor segurança das obrigações da dita capela, das quais terras será o administrador da dita capela, na forma do codicilo atrás-escrito, os quais cento e quarenta mil réis se pagarão do dinheiro que em seu poder o Sargento-Mor António da Costa Soares, da cidade do Porto; e sendo caso que o dito meu irmão me falte a este ajuste que com ele tenho feito e aqui ambos ratificamos, em tal caso, que o não espero dele, deixo que os ditos cento e quarenta mil réis se empreguem em bens de raiz livres, os quais desde já deixo e vinculo à dita capela. Mas fazendo-se o contrato com o dito meu irmão e feita a escritura do dito património, não se empreguem os ditos cento e quarenta mil réis em outra coisa.
Declaro mais que, além do que deixo no codicilo acima a meu escravo José, lhe deixo mais que, assistindo ele nesta casa, o sustentarão, ainda que ele não possa trabalhar por causa de doença ou velhice, e o tratarão nas suas doenças com caridade e lhe farão o seu enterro.
Declaro mais que o que gastei com o bem de alma da minha mãe e as dívidas que paguei por ela o hei por doado a meu sobrinho e a minha irmã Mariana, com obrigação de comprar cada um uma véstia, chapéu e fumo por dó.
E por esta forma dou por findo e acabado este meu codicilo e última (vontade) e quero que se cumpra e guarde como nele e suas declarações que lhe acrescentei e se contém e peço a todas as Justiças a cujo cumprimento tocar lhe dêem seu cumprimento; e por estar paralítico, impedido para poder escrever, roguei ao Reverendo Custódio Amaro Ribeiro, Abade de Negreiros, que este me fizesse, o que a seu rogo fiz e assino.
Aos onze dias do mês de Janeiro de mil setecentos e sessenta anos.
A rogo dele testador, Manuel Nunes Rodrigues e abade Custódio Amaro Ribeiro
Padre Remígio Nunes Rodrigues

(Segue-se a aprovação)

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