terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Os primeiros donos

O abade Manuel Gonçalves

O abade Manuel Gonçalves foi pároco de Balasar desde cerca de 1535 e por uns 30 anos. Em 1542, mandou renovar o tombo paroquial. Tinha a seu cargo Balasar e a anexa Gresufes, mas ainda S. Félix e S. Marinha de Gondifelos. Tal não significa que fosse um abade muito zeloso, que não era. De facto, como muitos outros párocos seus contemporâneos com largos rendimentos, afastou-se da sua abadia e foi residir para Vila do Conde. Sabe-se que celebrou lá baptismos e presidiu naturalmente a outros actos litúrgicos. Mas foi aí pai de duas filhas, a Margarida Vaz (c. 1535-1610) e a Joana Manuel[1].
Assento de baptismo de Fevereiro de 1536 (em cima) em que oficiou o abade Manuel Gonçalves:

Item, baptizou Manuel Gonçalves, abade de Balasar, Francisco, filho de António Pires e de sua mulher; foram compadres André Álvaro Felgueira, R. António, Maria Carneira e Susana Ferreira.

Margarida Vaz e Joana Manuel

Ambas casaram com pilotos, isto é, com homens ligados ao comércio ultramarino. Margarida Vaz casou com Gomes Carneiro (c. 1525-1602) e Joana Manuel com Gaspar Pires, o Ouro. Ambas possuíram bens em Balasar por via do pai. 
Gomes Carneiro está muito documentado em Vila do Conde. Teve mais de dez filhos (entre eles, Pe. Manuel Carneiro, Gomes Carneiro, João Carneiro, Maria Carneira, Isabel Carneira, Catarina Carneiro). Como a Maria Carneira casou em 19 dias do mês de Fevereiro de 1576[2], ele e a mulher deveriam ter então um pouco mais de 40 anos. Exerceu diversos cargos municipais, entre outros o de vereador. Parece ter sido pessoa abastada. A mulher faleceu em 1610.
Os descendentes de Joana Manuel ter-se-ão desfeito cedo dos haveres na freguesia, enquanto os de Margarida Vaz os mantiveram na sua posse. Desta é que derivam os Carneiros da Grã-Magriço.
Assento de casamento Maria Carneira, de 19 de Fevereiro de 1576. Como a mãe e o pai deviam ter a passar de 45 anos, isso remete o seu nascimento para cerca de 1530.
Aos 19 dias do mês de Fevereiro, recebi Maria Carneira, filha de Gomes Carneiro e Margarida Vaz (...)

Catarina Carneiro e Bento Teixeira Magriço

A herdeira de Margarida Vaz e Gomes Carneiro na Quinta de Balasar terá sido a filha Catarina Carneiro, que casou com Bento Teixeira Magriço. Viveram em Vila do Conde. Ele morreu em Angola talvez em 1608. A esposa iniciou então diligências para fazer vir os bens que o marido lá possuía, passando inclusive procuração para o efeito ao governador, mas foi tarefa muito demorada.

Pedro (ou Pêro) Carneiro da Grã

Pêro Carneiro da Grã tem um lugar especial entre os antepassados de D. Benta: foi o primeiro a residir de forma permanente em Balasar – ele que era “cidadão da cidade do Porto” – e foi quem trouxe para a família o apelido Grã[3].
Casou em 10 de Setembro de 1634 com a sua prima Benta Carneiro Magriça: eram ambos netos de Margarida Vaz. Ela era filha de Catarina Carneiro e seu marido Bento Teixeira Magriço, ele de João Carneiro, que casou com Antónia da Grã.
Existe uma “escritura de doação que faz Pedro Carneiro e sua mulher, Benta Carneiro, ao filho Manuel Carneiro da Grã no ano de 1678, do prazo de Balasar”[4]. Com ela pretendeu o casal que o “seu filho Manuel Carneiro da Grã tomasse estado segundo sua qualidade por ser único herdeiro, sucessor do morgado da sua casa”. Os bens doa­dos foram estes:

A Quinta de Balasar, prazo foreiro à Comenda de Cristo do mesmo nome;
A metade do Campo de S. Tiago, que houveram por sentença contra seu cunhado e irmão Gomes Car­neiro Magriço;
A metade das casas que ficaram de seu avô, Gomes Carneiro Magriço;
O casal da freguesia de Joane, foreiro aos frades Lóios do Porto;
O Casal de Regufe, do qual prometeram em dote a sua filha Mariana, casada com António de Castro, 50.000 réis por morte deles dotadores ou onze me­didas das que se pagam do dito casal.

Esta lista de bens parece garantir que ele foi bom administrador, apesar de ter contraído um empréstimo de 70.000 réis por causa de uns haveres na freguesia barcelense de Pereira.
A casa da Quinta há-de ter precisado de obras de vulto. A sua ida para lá pode também significar que era daí que ele geria melhor os seus interesses.
Em 1664 e 1665, casaram-se dois filhos de Pedro Carneiro da Grã. Primeiro casou um rapaz:

Aos quinze dias do mês de Abril de seiscentos e sessenta e quatro anos, recebi em face da Igreja, na forma do Sagrado Concílio Tridentino, a Pedro Luís da Grã, filho de Pedro Carneiro, e Isabel Gonçalves, filha que ficou de Cosme Gonçalves e da sua mulher, sendo testemunhas presentes Domingos Álvares e Domingos Gonçalves e Manuel Carneiro e Francisco Fernandes, todos desta freguesia.
João da Silva

14 de Agosto de 1665 deve ter sido um dia grande em Balasar: o casamento de então terá sido tão pouco comum que quase toda a gente da freguesia quis estar presente.

Aos catorze dias do mês de Junho de seiscentos e sessenta e cinco anos, recebeu o Pe. António Carneiro à face da Igreja a António de Crasto, do Couto de Cambeses, e a Maria Carneira, filha de Pedro Carneiro da Grã, na forma do Sagrado Concílio Tridentino, sendo testemunhas presentes (ilegível) Martins e Pedro Fernandes e Pedro de (ilegível) e a maior parte dos fregueses, de que fiz este assento.
José da Silva.


[1] Osório-Vaz da Nóbrega chama Margarida Álvares à primeira filha do abade de Balasar, mas nos documentos que consultámos ela é sempre Margarida Vaz. Como só lhe interessou a genealogia dos Grã-Magriços, não mencionou a Joana Manuel.
[2] A tia Joana Manuel deu-lhe alguns bens em Balasar em 7 de Agosto de 1575. Podem ter sido prenda.
[3] Grã é uma semente a partir da qual se pode obter certa tinta
[4] Na Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim guarda-se um dossiê com o título de “Documentos referentes à família Carneiro de Grã-Magriço. Casa dos Carneiros, P. de Varzim. Casa da Ponte (ou casa da Quinta de D. Benta), Balasar. Séculos XVII-XIX”; tem cerca de 130 páginas que copiam documentos originais. É lá que se encontra a escritura a que agora nos referimos.